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Foto do escritorVagner Francisco

CRISTINA & MANOLO

Como de costume, todas as sextas-feiras, Cristina e suas amigas vão à boate Oingo Boingo. Muito bonitas e elegantes, elas chamam atenção de qualquer rapaz ali presente. Manolo, um desses rapazes, resolve arriscar e se propõe a pagar um drinque a Cristina. Ela, que se encanta com o rapaz, aceita. – Você vem sempre aqui? – ele quebra o gelo com o providencial clichê. – Às vezes. Não sou de sair muito. (pausa. Eles bebericam seu hi-fi) – E você? – pergunta a garota. – Quando posso. (pausa) – Vida muito agitada? – ela pergunta, com um sorriso envergonhado, imaginando que ele, ou deve ir a vários lugares até melhores que aquele, ou não é da cidade. – Muito trabalho. Às vezes, quando chego em casa, só penso em dormir. (pausa) – E você? Trabalha ou estuda? (pausa) Ou o dois? – após essa última, quem ri é ele. – Trabalho e estudo. – Responde Cristina, enfatizando a importância de se fazer as duas coisas ao mesmo tempo. – Sou vendedora numa loja de roupas e vou pra faculdade à noite. Tou me formando em Direito. – É? Você gosta de defender as pessoas? – Na verdade, só curso Direito por imposição de meu pai. Por mim, seria professora de educação física. – Sério? Legal. – Legal nada! É a maior chatice. (pausa) – E você, trabalha com o que? – Sou garçom. Cristina recebe a resposta como se fosse uma descarga elétrica. – C-como assim? – Sou garçom! – insiste Manolo enquanto retira um cartão do restaurante em que trabalha, o Angelo, e o entrega à moça. Ela o pega, o olha, mas não o vê. Apenas fixa o olhar no papel enquanto Manolo continua a falar. – Mas não qualquer garçom. Sou profissional. – Garçom é garçom! É tudo a mesma coisa! – Ela acorda de seu transe e responde com uma rispidez maior do que gostaria. Manolo ri. E tenta elucidar a situação. – Não, não, não! Há garçons que apenas anotam pedidos e servem bebidas. E há outros, que fazem tudo, desde recepcionar os clientes na porta até aconselhar qual o melhor prato ou o vinho mais indicado. E tudo com postura, cortesia e profissionalismo. Manolo continua sua explanação, mas Cristina já não o ouve mais. Ele perdeu o brilho. Sua beleza se acinzentou. O que aparentemente era um deus grego, apequenou-se. Antes da conversa, Cristina estava louca para beijá-lo; agora, ela só pensa em devencilhar-se dele. E o faz, com uma desculpa qualquer.

A noite, fatalmente, já era. As amigas têm melhor sorte e conseguem se arrumar, deixando-a voltar para casa sozinha. E de ônibus.

No ponto, em meio a algumas pessoas, ela fica em pé e com frio. Seu vestido é aparentemente curto, que realça a beleza de suas pernas. Cristina é uma morena de vinte e dois anos, bem compartilhados em seus cento e setenta centímetros; seus cabelos negros, lisos graças à tecnologia, deixam-na mais exótica. – Cristina, ei! – de dentro de um carro, alguém a chama. Ela olha, estranha, porque não conhece ninguém ali. O carro é um Fusca azul. Mas que poderia levá-la pra casa, com conforto, rapidez e, o melhor, provavelmente estaria bem quentinho ali dentro. – Tudo bem? Quer uma carona? – pergunta Manolo, sozinho, lá dentro. – Er… – ela pensa, pensa, pensa. Tenta encontrar uma resposta interessante e/ou elegante para sair por cima daquela situação. Mas se dá por vencida. – Obrigada. Estou esperando uma amiga que foi buscar o carro. – Ahhh, tudo bem. – ele mantém o sorriso sincero. – Então, tchau. A gente se vê. Quando vai saindo, Manolo percebe que a garota se movimenta para o seu lado. – Ahn, espera… Ele para o carro. – Acho que ela não vem mais… A garota entra no carro. Eles saem.

– É aqui. – ela diz quando eles param em frente à casa dela. – Pronto! Está entregue, moça. – Obrigada. (pausa – Eles se olham. Manolo mantém o sorriso. Cristina dispara um olhar enigmático) (pausa) (pausa) – Bem, boa noite. – diz Cristina com a mão na maçaneta do carro, já a ponto de abrir a porta e ir-se. – Boa noite. – responde Manolo com as mãos no volante. Ela se aproxima para dar-lhe um beijo no rosto. Mas acaba acertando parte de sua boca. O ‘selinho’ torna-se um beijo de verdade, contínuo, molhado, com lingua. Quando termina, eles ainda estão em êxtase. Quando o transe se acaba, Cristina abre a porta do carro. (pausa) A fecha. Ainda dentro do veículo. – Escute… eu preciso te falar. Não vai dar certo. Você é uma gracinha, beija muitíssimo bem e eu adoraria passar os próximos cem anos contigo. Mas não daria certo. – Porque eu sou garçom,. – É. – então ela percebe que sua sinceridade acabou por tornar-se embaraçosa. E se espanta com a naturalidade que Manolo aceita tal situação. – Como sabe? – Sou garçom. Não idiota. – Escute. Não me entenda mal. Não tenho nada contra você, nem com sua profissão, mas não é o que eu quero pra mim, entende? (pausa) – Preciso confessar uma coisa. – ela continua – Não sou vendedora numa loja. Até gostaria mas não sou. Não tenho segundo grau completo. (pausa) – Vendo DVD pirata numa barraca perto da minha casa. – conclui a moça. – Falei aquilo só pra impressionar. – Legal. – ele responde. – Mas eu nem me importo. – Sei disso. Agora eu sei! Mas até ali, não tinha como saber. (pausa) E continua: – Agora veja você. Como poderíamos ficar juntos? Um garçom e uma vendedora de DVD pirata? – Qual o problema? – Qual o problema? Todos! Que futuro teríamos? Jamais conseguiríamos algo na vida. Vejo pelos meus pais; estão juntos há trinta anos e nem uma casa propria conseguiram comprar. Não quero isso pra mim. (pausa) Manolo desaparece com o sorriso. E responde. – Cristina… relaxa! Você é encanada demais. Foi só um beijo. Nos conhecemos hoje. Poderíamos até nos ver novamente, mas isso não é atestado de namoro. Muito menos de noivado. E infinitamente menos ainda de casamento. Talvez nem fiquemos juntos, sei lá. Mas poderíamos aproveitar, obter o melhor disso. Mas você acaba com tudo por detalhes que nem mudam quem somos. E sim o que temos. Cristina fita Manolo por um tempo. Pensa em abrir mão da falsa vida de vendedora de loja; de estudante de direito em faculdade particular por imposição do pai. Pensa em abrir mão principalmente do amor próprio. E se arriscar, por que não? – Não dá! – desiste – Desculpe mas não dá. Cristina abre a porta, sai, a fecha com mais força que gostaria, e corre para a porta de casa. Manolo então liga o carro e sai.

O tempo passa. Fim de tarde. Manolo está terminando seu turno no Restaurante. Ele então tira suas roupas de garçom e as substitui por camiseta, calças jeans, tenis e um boné. Ele se despede dos amigos e sai do estabelecimento. Quando se aproxima do Fusca, uma surpresa. – Tudo bem? – pergunta. – Acho que sim. E contigo? – replica, Cristina. – Bem, também. – Você me deu o cartão, lembra? – ela diz, já se explicando sobre como o encontrou. – Sim, lembro sim. Eles se aproximam. – Sabe, eu pensei no que conversamos. – É? – É. E se tivermos apenas mais um encontro, eu te mato! Manolo ri. – Tudo bem. Eles se beijam.

E depois entram no carro dele.

E se vão.

Talvez pelos próximos dias.

Ou anos.

Ou por toda a eternidade.

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