Quando a ideia de se realizar um novo capítulo da franquia O Predador foi levantada, principalmente após Shane Black - roteirista do original de 1987 - ter enterrado a série, com um filme, no mínimo insignificante, de 2018, muitas possibilidades se abriram.
No entanto, se o capítulo de Black já foi realizado com um orçamento irrisório - eles não tinham condições de trazer Arnold Schwarzenegger por um dia sequer e ainda obrigaram a pedir para Jake Busey baixar o cachê para poder homenagear o próprio pai, Gary Busey, que participou de O Predador 2, de 1990! - imagine agora com um filme voltado para o streaming, e com um fracasso retumbante nas costas.
Óbvio que não veríamos um superelenco, uma superprodução e efeitos de cair o queixo.
Todavia, O Predador - A Caçada [que é um nome horroroso; poderia-se ter mantido A Presa, ou mesmo, O Predador - A Presa. Porque já houve um O Predador 2 - A Caçada Continua] consegue ser um bom filme, competente em entregar aquilo que a gente imagina: um Predador chegando à Terra para caçar alguns espécimes para a sua sala de trofeus.
A diferença é que esse capitulo se passa duzentos anos antes do original e o alienígena com cara de camarão vem ao nosso planeta e acaba se deparando com nativos comanches.
A escolha dos roteiristas, Patrick Aison e Dan Trachtenberg - que também dirige - pela tribo não foi por acaso: os comanches eram espécimes ímpares; eles eram muito valentes, guerreavam como ninguém e inclusive foram os primeiros indígenas a caçar montados em cavalos.
A novidade - ou o clima deste - também se faz aparente porque, em 1700 e lá vai fumaça, não havia tecnologia para absolutamente nada, então os comanches estariam numa situação parecida com a de Dutch, personagem de Schwarzenegger no original, que se vê obrigado a enfrentar o Safari Joe do filme, com astúcia, armadilhas feitas com ajuda da natureza e muita, muita sorte.
Agora, é a jovem Naru, interpretada por Amber Midthunder, que quer ser a caçadora/cacique da tribo, que precisará de toda astúcia, sorte e o que mais aparecer para se manter viva contra uma criatura totalmente desconhecida por eles.
Claro que para ela é mais difícil, pois além de não ter a força de um Schwarzenegger - que mostra isso no filme de 1987 - também não terá equipamentos necessários para contrabalançar o combate. Mas sorte, ela tem, e muita!
Primeiro porque este espécime de Predador parece não ser tão esperto quanto os anteriores; outro detalhe é que à medida com que o filme corre, o alienígena enfrenta ursos, caçadores brancos e até mesmo outros comanches - inclusive o campeão da tribo, coincidentemente irmão de Naru.
Após a chegada do filme na plataforma Star+, começou um movimento para desqualificar O Predador - A Caçada, apoiando-se na famigerada lacração; que forçaram a amizade ao botar uma menina para enfrentar um Predador, só para agradar as novas audiências, e tudo o mais.
Pois bem, antes de qualquer coisa, quando O Predador - de 1987 - e O Predador 2 - de 1990 - fizeram sucesso nos cinemas, uma editora estadunidense independente, chamada Dark Horse, decidiu comprar os direitos do personagem, perante a Fox, que na época era proprietária da franquia - e, hoje, você sabe, a Disney comprou a Fox e levou a franquia com ela - e criar sagas no formato quadrinhos. E uma das primeiras histórias concebidas, se não me falha a memória, pelo roteirista John Arcudi, se passa justamente nesse período. Um Predador vem à Terra e enfrenta - na HQ - um jovem índio que quer se provar à tribo. O nome da saga: Big Game.
A diferença entre a HQ e o filme é o sexo do protagonista humano.
Numa outra ocasião, o Predador enfrentou Batman - que não conta, mas houveram três confrontos - Magnus Robot-Fighter e até mesmo Tarzã, numa saga escrita por ninguém menos que Walter Simonson e ilustrada por Lee Weeks, uma parceria que se mostrou fantástica.
Ou seja, possivelmente, qualquer um desses personagens venceria a pobre e coitada Naru, certo? Como saberíamos?
De qualquer maneira, talvez há apenas um diálogo empoderador, que ocorre bem no início do longa, quando a mãe da moça lhe pergunta o porquê dela querer ser uma caçadora e ela manda: "Porque disseram que eu não poderia".
De resto, O Predador - A Caçada, é um belissimo filme que se mostra inifinitamente melhor que o anterior, de 2018, e talvez empate com Predadores, de 2010. Mas não chega nem perto do thriller, que inclusive cria arquétipos que vieram a se tornar canônicos ao universo do personagem, a posteriori - por ele, a visão do alienígena, como se estivesse de fato num safari, que foi O Predador 2.
Agora, o que eu gostaria mesmo seria ver um novo filme totalmente voltado ao ponto de vista do personagem, como se o alienígena fosse mesmo o protagonista; entrarmos em seu planeta natal com outros de sua espécie, e como eles se relacionam e o porquê de suas caçadas. Quem sabe, apareça um diretor corajoso o suficiente para isso, com um roteirista de mão cheia, e imaginação de sobra.
Aí você bota um Jason Sthatam da vida para confrontá-lo e teremos um baita filme de ação para ser degustado na tela grande.
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E A Princesa? Por que ela está nesse mesmo texto? Porque as duas produções são do mesmo estúdio - ambos braços da Disney, esse longa, sim, com um orçamento maior, elenco estrelado e uma história, digamos, subvertida, mas divertida!
A Princesa mostra um dia na vida de uma, ahn, princesa, vivida de forma orgânica por Joey King - da trilogia A Barraca do Beijo - que, prometida a um sociopata para que seu reino continue vivo, percebe que não poderia dizer "sim" e se tornar cenário nas próprias terras, enquanto um homem, ou melhor, macho, branco e opressor, daria todas as cartas no reino.
Assim, o sociopata vivido por um preguiçoso, Dominic Cooper - Howard Stark jovem, da série da Agente Carter - decide invadir o reino; até então, um lugar prazeroso, onde a diversidade impera, as minorias são ouvidas, aceitas e recebidas de braços abertos e todos são felizes, e tomar à força a coroa e a mão da princesa.
É claro que todos são subjugados, menos a protagonista, que se prova eficiente na luta corpo a corpo, mostrando aos homens - uns ogros, desagradáveis, desajeitados, burros, fedidos e gays enrustidos - quem é que manda! E, olha, ela bota para quebrar.
A certa altura do filme, quando o rei ainda não havia aparecido, eu imaginei que a Disney pudesse ter convidado Steven Seagal para ser o pai da princesa, num fan-service bacana - mas, lembrei que o astro de Fúria Mortal pulou o muro da Guerra Fria e se tornou persona non grata ao ser amigo do Putin. Uma pena!
As cenas de ação de A Princesa são fantásticas, o filme às vezes parece um game em live-action, com aquela ideia de fases, sabe? A cada fase, você enfrenta um chefão.
E, sem dúvida alguma, todos são homens, burros, desagradáveis, machistas, fedidos - eu já disse burros? - até chegar à penúltima, quando a jovial, inteligente e boa de briga, Princesa enfrentará um dos únicos seres inteligentes na película: uma outra mulher, claro!
E essa mulher é interpretada por ninguém menos que Olga Kurylenko, que paga o aluguel atrasado, emulando uma Psylocke vilã.
A parte boa é que Olga é a melhor coisa do filme, pois consegue realmente passar um mínimo de inteligência e se mostra de fato ameaçadora - adivinha quem foi o único oponente que a Princesa ficou com medo e chegou a fugir da briga? Bingo!
Mas, negócios são negócios, e A Princesa precisa pegar o macho, branco, opressor, sociopata, estuprador em potencial, pedófilo [acredite se quiser!], gay enrustido e, claramente covarde e passar o carro por cima dele! E salvar a família! E abraçar a amiga que a ajudou! Claro, porque se todos os personagens masculinos do filme são burros, preconceituosos, machistas, covardes, estupradores, pedófilos, fracos, preguiçosos, desagradáveis e prestes a saírem do armário mas não o fazem por causa da masculinidade frágil, as mulheres, por outro lado são fantásticas; empoderadas, valentes, corajosas, equilibradas, ponderadas, inteligentes, sagazes, lutam bem, amam, são bondosas - com exceção da personagem da Olga - e estão dez passos à frente de qualquer um - menos de outra mulher, claro.
Segundo o diretor vietnamita, Le-Van Kiet, a produção foi inserindo arquétipos no desenvolvimento e, inclusive a personagem, Lihn, interpretada por Veronica Ngo, que surge como a mentora da Princesa e a ensina artes marciais - em segredo do rei por motivos óbvios - criando essa "dupla", onde "há um grande momento merecido que elas passaram por algo juntos e conquistaram essa sociedade patriarcal que os está queimando."
É interessante perceber essa interação de uma forma bem diferente de outros longas onde há mentor e pupilo.
Se pegarmos Daniel LaRusso e Miyagi, por exemplo, não há nenhum clima homoerótico entre eles; em Karatê Kid, por exemplo, Miyagi é um homem amargurado pela morte da mulher e filha, enquanto o jovem Daniel foi arrastar asa pela loira vivida por Elisabeth Shue e ganhou um olho roxo, além da criação desse universo que virou série na Netflix.
No entanto, os tempos são outros e agora, seria possível vermos Daniel e Miyagi ficarem juntos, deixando a doce Ali.
Bem possível que talvez LaRusso e Johnny Lawrence brigassem sim, mas pela atenção do ancião de Okinawa.
Enfim, A Princesa termina com a própria salvando o dia enquanto sobem os créditos com a canção White Wedding, imortalizada na voz de Billy Idol, mas não aqui; aqui é uma mulher cantando.
E eu aguardei até ao final, pois tinha a certeza de uma cena pós-crédito estrelada por talvez Idris Elba no papel de um inimigo genérico de um reino qualquer disposto a tomar o reino da Princesa à força.
Pena que não houve a tal cena.
Finalizando, caso você queira um espécime genuíno da chamada lacração, assista A Princesa, pois a diversão é garantida; agora, O Predador - A Caçada não tem nada a ver com isso.
Ambos são lacração, o filme O Predador: A Caçada, é de longe o mais lacrador. Além de muito mal localizado (indígenas que não pareciam, não falavam e nem pensavam como um indígena é e ou foi), efeitos deprimentes (a cena do urso foi horrível), a película mostra a todo tempo um comportamento não natural de uma jovem indígena, moldados sobre a percepção atual de como uma mulher deve agir e se comportar. Pela capa e sinopse já sabia que iria me frustar, infelizmente, acertei.
Resumindo:
LACRAÇÃO TOTAL