“Eu vejo aqui os homens mais fortes e inteligentes.
Vejo todo esse potencial desperdiçado.
Que droga, uma geração inteira de garagistas, garçons. Escravos de colarinho branco.
A propaganda põe a gente para correr atrás de carros e roupas.
Trabalhar em empregos que odiamos para comprar merdas inúteis.
Somos uma geração sem peso na história.
Sem propósito ou lugar.
Não temos uma guerra mundial.
Não temos a grande depressão.
Nossa guerra é a espiritual.
Nossa depressão são nossas vidas.
Fomos criados através da tv para acreditar que um dia seríamos milionários e estrelas de cinema.
Mas não somos.
Aos poucos tomamos consciência do fato.
E estamos muito, muito putos.”
Esse é um diálogo dito por Tyler Durden, personagem (interpretado por Brad Pitt) do filme, Clube da Luta.
Acredito que cada quadrinhista (ou aspirante a) deveria ler o livro ou assistir ao filme. A ‘mensagem’ da trama é tão excepcionalmente boa que inspirou – de certa forma – o Coringa em Batman, O Cavaleiro das Trevas, o fenômeno de bilheterias de 2008.
(Brad Pitt como Tyler Durden, à esquerda; à direita, Heath Ledger como seu Coringa)
Escolhi essa “passagem” para abrir meu texto porque acredito nas palavras do Sr. Durden. Estamos realmente nos dando conta de que nossas vidas de quadrinhistas que esperam por uma salvação chamada editoras está se tornando uma depressão e obviamente ficamos putos a cada novo dia.
Aguardar que alguma editora irá salvar (ou resgatar) o quadrinho nacional é tão verdadeiro quanto acreditar que o Brasil tem condições de sediar uma Copa do Mundo – tá, em 2014 o Brasil sediará uma Copa do Mundo, mas NENHUM estádio tem condições de receber jogos desse gabarito. Consequentemente embora seja sede, condições o país não tem.
Um bom exemplo de que não é editora que venha a salvar o nosso quadrinho se chama Mesmo Delivery. Você provavelmente já ouviu falar de Mesmo Delivery, o mais surpreendente fenômeno dos quadrinhos brasileiros – que nem é tão brasileiro assim, já que seu idealizador, Rafael Grampá, o havia concebido para ser lançado lá fora. E foi. E com muito sucesso. E com isso, a mídia brasileira “comprou” a idéia e, aparentemente, da noite pro dia, catapultou Grampá ao Olimpo dos astros dos quadrinhos. Mesmo Delivery chegou com moral no Brasil. E hoje, Grampá pode fazer o que bem entender, inclusive desenhar John Constantine.
(Mesmo Delivery, a HQ que botou Rafael Grampá no mundo dos quadrinhistas famosos)
Dias desses li numa comunidade do Orkut que uma pessoa não gostou da história; achou curta, fraca. Nisso, uma outra prontamente respondeu: “a história pode ser curta e fraca, mas cumpriu muito bem o seu papel; deixou seu criador rico e famoso.”
Mas além de Mesmo Delivery, o que nós temos? Fábio Moon & Gabriel Ba? Lourenço Mutarelli? Algo mais? Há, sim.
Há Wellington Srbek, reoteirista mineiro, vencedor de vários HQ Mix e Ângelo Agostinis que lançou vários álbuns e revistas ao longos dos últimos 20 anos. Seus roteiros, sempre originais, abordam do terror às lendas do nosso país, passando por física quântica. Você pode conferir tudo isso que eu disse aqui.
(Solar: a nova aposta de Wellington Srbek)
Há Edvânio Pontes, um roteirista insano, cuja genialidade às vezes só pode ser comparada com a de Garth Ennis. E loucura também, porque Edvânio assina diversos blogs e com o mesmo brilho – você pode conferi-los aqui, aqui, aqui e aqui. Edvânio tem diversos projetos para 2009 – e você conferir cada um deles em seus blogs – além de ser o roteirista oficial da revista Penitente.
(Penitente: o personagem é de Lorde Lobo, mas quem escreve as histórias é Edvânio Pontes)
Gian Danton, veterano roteirista, sempre nos mostrando um pouco de seu grande talento. Já havia concebido pérolas como A Insólita Família Titã – ao lado de Bené Nascimento (ou Joe Bennett) e agora, juntamente com Jean Okada e seu traço limpo, vem com Exploradores do Desconhecido.
(quadro de Exploradores do Desconhecido; HQ de Gian Danton e Jean Okada)
E eu poderia continuar com essa lista por mais umas duzentas linhas, mas acredito que você já tenha entendido.
Mas convém falarmos também do upgrade gráfico que as HQs nacionais estão ganhando. Sulfite xerocado e dobrado ao meio é coisa do passado. Agora falamos de papel couché, pisa brite, capa cartão, tiragem de 1000 exemplares. Sim, Ultra Lins, F.D.P., Penitente, todas têm esse refinamento gráfico, às vezes até superior ao das editoras existentes no mercado. Tempestade Cerebral por exemplo, uma revista mix com tiragem trimestral, surpreendeu seus leitores numa edição comemorativa com OITO capas diferentes. Eu nunca tinha visto isso no quadrinho brasileiro.
(as OITO capas simultâneas da revista Tempestade Cerebral, em edição comemorativa)
Enfim, as coisas estão acontecendo para o mercado de quadrinhos nacionais voltar a bombar. E tudo começou porque cada uma dessas pessoas, envolvidas direta ou indiretamente, deu o primeiro passo, ao escrever o roteiro, ao desenhar a primeira página, ao angariar o patrocinador, enfim ao sair da inércia. E inércia é justamente o tema de Clube da Luta, cujo diálogo abriu esse post.
O quadrinho nacional vive.
Dê uma chance a ele.
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