A certa altura da pré-produção de Superman Lives, o astro do quase filme, Nicolas Cage diz que Christopher Reeve, na época ainda vivo, foi o Superman de uma época, e estava na hora de termos o Super de uma nova época. E este seria ele.
Era 1997. E tudo levava a crer que o filme aconteceria.
Inclusive, as filmagens de Superman Lives coincidiram com as de Olhos de Serpente, outro hit de Cage e por isso a Warner decidiu aguardar a estrela.
E a espera, unindo a outros fatores, como diversas mudanças de roteiros e orçamentos, além da fase ruim do estúdio, que havia sofrido com diversos fracassos de bilheterias na época, fizeram o projeto subir no telhado. E descer quase uma década depois. De forma equivocada com Superman o Retorno.
Mas, vamos voltar do início.
Tudo começou com Kevin Smith, ou pelo menos foi assim que ele narrou.
Ele havia lançado Procura-se Amy e a Warner o convidou a conversar sobre alguns projetos que ele pudesse se envolver; um deles, claro, um reboot de Superman.
O último filme do Homem de Aço até então havia sido Superman IV – Em Busca da Paz, produzido pela Cannon Films com orçamento menor que troco de bala – falo sobre isso num vídeo – e, após diversas dificuldades pela travessia nos quatro filmes, Christopher Reeve havia declarado que voltaria a um provável quinto filme, desde que o roteiro fosse bom. Reeve, inclusive, lutou nos tribunais porque reivindicou para si a autoria do roteiro de Superman III; depois, aceitou voltar para o infame quarto filme com a condição de dirigi-lo. Na hora “h”, o estúdio contratou outra pessoa e deixou Reeve falando sozinho.
Então, não era uma vida fácil.
Na Warner, com o sucesso dos três filmes do Batman – dois de Tim Burton e um de Joel Schumacher – havia a iniciativa de se ver um novo filme do kryptoniano e, segundo Kevin Smith, estava sob o guarda-chuva de Jon Peters, também produtor dos filmes do Homem-Morcego.
Smith pegou o trabalho como uma missão e decidiu escrever o roteiro do que seria “Superman Reborn”, uma adaptação da saga da morte e ressurreição do Super, que havia chegado às bancas estadunidenses em 1992, e feito enorme sucesso.
Além de escrever o roteiro, Smith teria que lê-lo para Peters, o que foi feito e o produtor palpitou sobre várias alterações e, claro, inclusões, como a infame aranha gigante no terceiro ato e um ajudante robô gay para Brainiac, com a voz do ator, Dwight Ewell.
Na trama de Smith, Lex Luthor e Brainiac se uniriam para derrotar o último filho de Krypton, com uma arma que impediria a luz solar de chegar à Terra, o que enfraqueceria o Homem de Aço e assim Apocalypse o mataria com maior facilidade.
A roteirista também sugeriu Tim Burton para a direção, já que ele havia se desligado de Batman e estava considerando um filme do Scooby-Doo. Peters não estava muito inclinado porque acreditava que Burton fosse muito soturno para o Super, mas Smith insistiu com a justificativa de que ele era a pessoa certa.
Burton então entrou no jogo. E--- tirou Smith dele.
Burton considerou o roteiro muito ruim e convocou Wesley Strick para reescrevê-lo. Strick julgou a idéia de tapar a luz solar para o Super morrer muito precária – e disse já tê-lo visto num episódio de Os Simpsons, quando o Sr. Burns também bloqueia os raios solares para que os habitantes de Springfield façam uso de sua eletricidade, e paguem por ela.
Smith revelou, anos depois, à Wizard, que idealizava Ben Affleck como Clark/Super, Linda Fiorentino como Lois Lane, Jack Nicholson como Lex Luthor e Jason Mewes como Jimmy Olsen, entre outros.
Em seu roteiro também haveria a participação de Bruce Wayne, numa declaração oficial de lamento pela morte do kryptoniano.
A participação de Wayne foi mantida nas versões seguintes do roteiro e, inclusive, Michael Keaton chegou a confirmar que interpretaria o personagem.
O roteiro de Strick seria um reboot completo, já que a versão de Smith não mostraria a origem de Kal-el, deixando-o como se o personagem já existisse, um protótipo de universo, também utilizado entre Batman o Retorno e Eternamente, quando houve a mudança de atores que encarnaram o protagonista.
Dessa vez, Kal-el chegaria à Terra e seria adotado pelos Kent, mas sem uma bússola como Jor-el foi para a versão de Reeve. E assim, ele tentaria ser aceito pela humanidade – ou como foi divulgado na época, veríamos o Superman num terapeuta.
Por causa dessas questões todas, Clark e Lois não teriam um relacionamento tão próximo ou concreto, deixando brechas para que Lex Luthor possa agir.
Burton tinha em mente que apenas Nicolas Cage pudesse interpretar Super/Clark porque, segundo ele, apenas Cage conseguiria convencer o mundo que o homem de aço e Clark Kent são pessoas diferentes. Para viver Luthor, Kevin Spacey era o alvo e embora Cary Elwes foi ligado ao papel de Brainiac, Burton cravou que sua escolha seria Christopher Walken.
No roteiro de Strick, haveria uma espécie de amálgama entre os vilões, formando assim o Luthriac. Nessa versão, Super também morreria e voltaria aos braços de sua amada. Na versão de Smith, Lois estaria grávida; no roteiro de Strick, não ficou bem claro esse detalhe.
A Warner, todavia, considerou o roteiro muito vultoso e com isso o orçamento seria gigantesco; por isso convocou Dan Gilroy para reescrevê-lo.
O roteirista explicou ao Indiewire que, quando chegou, a idéia era mostrar um Clark Kent num terapeuta, pois ele tinha receio que era alienígena. E quando Lex Luthor descobre pedaços da nave vinda de Krypton, ele surta. E justamente essa vulnerabilidade que o impede de assumir um compromisso com Lois Lane.
Seus ajustes foram no processo de deixar o orçamento mais próximo daquilo que o estúdio estava interessado em gastar.
Uma das mudanças mais significativas foi aproveitar a idéia de Smith de que a nave que trouxe Kal-el era na verdade o Erradicador. Então, quando tomba na batalha contra Apocalypse, a nave se torna um traje, chamado “K”, que seria uma espécie de dispositivo de emergência para manter o último kryptoniano vivo.
Seria o tal traje preto.
Gilroy também rebatizou a fusão Lex/Brainiac, de Luthriac para Lexiac.
O elenco já estava em formação: tínhamos um entusiasmado Nicolas Cage como o herói-título; Kevin Spacey, como Lex Luthor; Christopher Walken como Brainiac; Chris Rock foi escalado como Jimmy Olsen; e havia a idéia de ter uma dessas três estrelas como Lois Lane: Courteney Cox, Julianne Moore ou Sandra Bullock. Cox estava mais perto.
No entanto, todo o ano de 1998 correu e mesmo com mais de 100 milhões de dólares gastos com pré-produção, o longa ainda não havia recebido o sinal verde. Tim Burton então deixou a produção no início de 1999, sendo supostamente substituído por Shekhar Kapur, de Elizabeth. Mas ficou apenas nos rumores.
No decorrer de 1999, outros três roteiristas passaram pela produção, e havia o otimismo de filmar um roteiro de Alex Ford. O que não aconteceu.
Na metade daquele ano, outro roteirista foi contratado: Bill Wisher, conhecido colaborador de James Cameron, que co-escreveu o roteiro de O Exterminador do Futuro 2, estava em alta em Hollywood e inclusive chegou a se encontrar com Nicolas Cage para estreitarem laços. A essa altura do campeonato, o filme não tinha mais diretor, já que Tim Burton seguiu sua vida com Sleepy Hollow.
Após isso, Cage estava cada vez mais resignado com a produção e a partir dali, considerava cada vez mais difícil a possibilidade de encarnar Kal-el.
Tim Burton, por outro lado, chutou o balde e disse que a Warner era a culpada porque tudo parava no departamento de marketing.
Chris Rock por sua vez não se recuperou do fato de não ter feito o Jimmy Olsen e pergunta: “cadê o meu filme de super-heroi?”
Como você pode constatar, a odisseia para levar Superman Lives aos cinemas foi intensa, adversa e não teve um final feliz.
Hoje, Nicolas Cage nem gosta de tocar no assunto e aceitou interpretar Motoqueiro Fantasma duas vezes como troféu abacaxi.
Todavia, esse foi o mais perto de algo realmente original que um estúdio chegou ao compor um personagem. Nas entrevistas, Cage sempre se referia ao Clark Kent como “tudo bem em ser diferente, se até o Superman é”. Ele tinha esse lema e gostaria de mostrar uma faceta totalmente nova do personagem.
A idéia dele não ter essa orientação de Jor-el e ter que se encontrar por conta própria, não conseguir se acertar com Lois, porque ele nem mesmo sabe quem é, dá uma camada profunda ao personagem.
E como Jon Peters disse, só Nicolas Cage poderia convencer as pessoas que ele veio de outro planeta.
Aí você adiciona Couteney Cox – porque a Sandra Bullock não viria – Kevin Spacey, Christopher Walken e Chris Rock e temos um elenco de primeira!
Com o roteiro certo, a franquia Superman estaria salva por mais uma década.
Mas não foi assim. Com a virada do milênio vieram outros personagens, como Brett Ratner, Charlie Sheen, Brendan Fraser, Josh Hartnett, McG, Bryan Singer.
E Superman Lives se tornou Flyby, que se tornou outras coisas até chegar em Superman o Retorno. E o reboot se tornou uma seqüência quase-reboot.
Mais sete anos depois e veio Homem de Aço. E Batman V Superman. Que aproveitaram algumas idéias de lá de trás.
Nenhuma porém com a mesma inventividade.
Apenas algo genérico e bobo.
Acredito que a Warner tenha perdido uma enorme oportunidade aqui.
Comments